sexta-feira, 14 de maio de 2010

DOSSIÊ ATUALIZADO DE BELO MONTE

PLANETA AMEAÇADO

Há várias opções para aumentar a oferta de energia no país que não seja interferir na bacia hidrográfica do Amazonas, maior do planeta em volume de água, extensão e capacidade de regular o clima. Por exemplo, uma trilha de nuvens parte frequentemente da floresta em direção às regiões Sul e Sudeste, carregando um volume de água equivalente à vazão do Amazonas, daí o apelido de “rios voadores”. Neste ano, ventos procedentes do pacífico ultrapassaram os Andes, dando força inesperada ao fenômeno, resultando em recordes históricos de chuvas em Rio e São Paulo. O ser humano simplesmente não tem conhecimento para identificar e muito menos dimensionar as consequências de intervenções no sistema hídrico amazonense.

DIMENSÕES DOS ESTRAGOS

Se construída, a hidroelétrica de Belo Monte será a 3ª maior do planeta, com um parque instalado capaz de gerar 11.600 MW, mas, devido a alterações no nível do rio, terá geração média real de 4.571 MW, o menor índice de aproveitamento entre as grandes hidroelétricas brasileiras, podendo chegar a apenas 690 MW nos meses mais secos.

Encravada em plena Amazônia, na grande volta do rio Xingu, a obra deslocará um trecho do rio com vazão superior à das cataratas do Iguaçu e removerá mais terra do que foi retirada para a construção do canal do Panamá.

A barragem inundará cerca de 500 km² de floresta, obrigando o deslocamento de aproximadamente de 50 mil índios e camponeses. O Rio Xingu será interrompido por cerca de 100 km, reduzindo significativamente sua vazão e causando sérias alterações no lençol freático. Enquanto alguns ribeirinhos ficarão a quilômetros da água, outros terão suas terras alagadas. Contrariando a constituição, áreas indígenas serão afetadas, sem consulta prévia ao congresso.

SEM LICENÇA

Muito aquém do requinte dos “rios voadores”, as fragmentadas licenças ambientais de Belo Monte não contemplam todas as faces do empreendimento e não foram autorizadas pelos técnicos do Ibama que participaram do estudo. Atualmente em greve, agentes do órgão denunciaram esquema interno que propiciou, dentre outros, emissão de certidão negativa irregular para a construtora Queiroz Galvão, integrante do consórcio vencedor do Leilão.

O projeto base leiloado foi realizado, às pressas, pelas construtoras Camargo Correa, Andrade Gutierrez e Odebrecht. Faltam desde laudo geológico e estudos cartográficos precisos até plano detalhado de assentamento das famílias que serão afetadas. Mas isso não impediu o presidente do Ibama e Carlos Minc, então ministro do Meio Ambiente, de liberar o empreendimento em tempo recorde.

POR QUE A PRESSA?

Principal porta de entrada para outras intervenções na Amazônia, a obra faz parte do PAC 2 e tinha que ser licitada antes das eleições, sob pena de prejudicar o desempenho da candidata governista à presidência, uma das supostas idealizadoras do projeto, que, na verdade, já tinha sido cogitado e descartado pelos governos militar e FHC. O PAC 2 prevê um total de 19 usinas na Amazônia legal, acarretando o alagamento estimado de 1.980 km², o que corresponde a um espaço 30% maior do que a cidade de São Paulo.

DECRETO DA DESTRUIÇÃO

São Luiz, no rio Tapajós, assim como outras hidroelétricas do PAC 2, está em área de conservação ambiental e poderá ser a próxima a ser leiloada. O empreendimento só será possível devido ao Decreto 7.154, editado em 9 de abril de 2010, estabelecendo procedimentos para “autorizar e realizar estudos de aproveitamentos de potenciais de energia hidráulica e sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica no interior de unidades de conservação”.

IMAGEM DO BRASIL

Belo Monte vem recebendo duras críticas de movimentos socioambientais e cientistas no Brasil e no exterior. Engrossando o coro, o cineasta James Cameron, diretor de "Avatar", já esteve no local coletando imagens preliminares para a realização de documentário/protesto contra a “invasão da floresta” pela usina.

A imagem do Brasil como gestor da floresta vai de mal a pior, uma vez que o governo compareceu a Copenhaguen com metas fictícias e o chapéu na mão, arrecadando fundos de “preservação” para Amazônia, alguns já liberados sem a contrapartida da prestação de contas. “O que preocupa é que muitas políticas setoriais do governo apontam para direções contrárias às metas anunciadas pelo presidente Lula. É o caso de algumas obras do PAC e da forte pressão pela construção de grandes usinas na Amazônia, como Belo Monte”, afirmou André Ferretti em 03/05/10, coordenador do Observatório do Clima (OC), que congrega 36 das principais ONGs ambientais brasileiras e em atuação no país.

LICITAÇÃO OU JOGO DE CENA?

Formado às pressas para viabilizar a licitação, uma vez que só havia um grupo inscrito, o consórcio liderado pela Chesf (Companhia Hidroelétrica do São Francisco) ganhou o leilão de Belo Monte em 7 minutos, ofertando o valor de R$ 77,97 pelo megawatt-hora (MWh), significando deságio de 6,06% em relação ao teto de R$ 83,00 definido pelo governo. O interessante é que o outro consórcio ofereceu justamente o teto. Se a diferença entre as ofertas fosse menor que 5%, seriam oferecidos lances até que uma das partes desistisse, o que jamais poderia ser feito em 7 minutos.

O leilão começou às 13h20m, de 20 de abril, sob a vigência da 3ª liminar que o impedia. O presidente da comissão de licitação alega que só foi comunicado da ordem judicial 3 minutos após o término do certame. Concedida ao meio dia, a liminar já estava publicada no site da Justiça Federal do Pará às 13h11m.

QUEM VAI PAGAR POR ISSO?

Nós! Poucos minutos após o anúncio do resultado, a Queiroz Galvão (aquela da documentação supostamente irregular), única grande construtora que integra o consórcio vencedor, manifestou interesse em desistir, apesar do empreendimento contar, durante 10 anos, com isenção de 75% de impostos e, ao longo de 30 anos, com financiamento do BNDS de 80% do valor estimado entre 19 e 30 bilhões de reais, com juros de 4%(segundo normas internas, o banco não pode financiar mais do que 60 % de projetos). Mesmo com tantos incentivos, analistas financeiros são quase unânime ao afirmar que o negócio é economicamente insustentável.

Documentos da década de 1980, do governo militar, revelam que Belo Monte só teria uma produção de 4,6 mil MW de energia firme, ao longo do ano, se fossem construídas mais outros 4 reservatórios no rio Xingu, em terras indígenas, mais do que dobrando os custos.

Ainda no mesmo dia do leilão, um acordo de “cavalheiros” definiu que Vale, Andrade Gutierrez e Votorantim, participantes do consórcio vencido, integrariam, futuramente, o empreendimento. Qual o interesse? É mais conveniente participar da empreitada como contratada e deixar os prejuízos para o poder público.

INTIMIDAÇÃO

As 3 liminares contra a realização do leilão foram todas de decisão do juiz federal Antonio Carlos Almeida Campelo, da Subseção de Altamira, e cassadas pelo Tribunal Regional Federal do Pará. Em entrevista à Folha de São Paulo, Campelo afirmou ter sido intensamente “importunado” por funcionários da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), uma espécie de CIA brasileira.

Os Procuradores do MPF que apresentaram duas Ações Civis Públicas para suspender liminarmente o leilão (Cláudio Terre do Amaral, Bruno Alexandre Gütschow e Ubiratan Cazetta) sofreram processo administrativo por parte da Advocacia Geral da União (AGU). Em contrapartida, Organizações da sociedade civil encaminharam na quinta-feira (13/05/10) uma denúncia à Relatoria de Independência de Juízes e Advogados da ONU, por considerarem que o Executivo tem utilizado o poder dos órgãos públicos para intimidar os que possuem questionamentos sobre a construção de Belo Monte.

ESTAMOS EM BOAS MÃOS?

A Chesf tem participação na polêmica hidroelétrica de Jirau, no rio Madeira; desde 2008 manifesta interesse em gerir as águas oriundas da transposição do São Francisco e, ainda, participou da construção e gestão da barragem de Sobradinho, na década de 1970, quando gerou manifestos populares, dando origem à música/protesto “Sobradinho” de Sá e Guarabira. Até hoje, algumas famílias cobram o reassentamento prometido, então, pela empresa, enquanto outras reclamam que as poucas casas construídas são incrivelmente pequenas. Parte da população a ser afetada em Belo Monte apóia o projeto baseada na promessa de que suas atuais casas, sendo 4,5 mil delas sobre palafitas, serão substituídas por construções de alvenaria.

TRAGÉDIA ANUNCIADA

O consórcio vencedor pretende solicitar ao Ibama uma licença ambiental prévia (provisória) para a instalação do canteiro de obras da hidrelétrica, o que possibilitaria começar as obras antes de setembro. O que será feito com os índios da região, que já declararam que lutarão até a morte para impedir a construção da barragem?

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